28 junho 2011

Redenção

Foi súbito.
Era ela. À sua frente, como anos atrás...
Nos infindáveis e efêmeros segundos deste contato, Paulo nem sequer conseguiu planejar o que dizer... Por impulso, limitou-se ao impensável: "Oi..."
A incapacidade de proferir algo melhor foi decorrente da atipia do momento. Era a primeira vez em anos, após o término, que o encontro ocasional dos 2 não fora marcado por indiferença (da outra parte), mudanças propositais de olhares na iminência destes se encontrarem (por parte de ambos) e um arrepio estranho (por parte dele).
Cinco anos... Cinco longos anos... Pouco mais que isso... Dois mil dias sem os cachos claros, sem a risada despudorada nem a mente fluida de Marcella.
A simples "oi" de repente lhe pareceu tolo quando percebeu que a moça não vinha em sua direção, mas assumira um caminho que passaria por ele. A mesma saudação de tola passou a parecer indevida, quando fez com que a jovem parasse, com ar de certa admiração.
"Err.... Oi...?" - respondeu com um leve inclinar do rosto e frizar de sobrancelhas.
Se entreolharam por mais alguns segundos. Paulo inquieto, ela, parecendo confusa.
"Desculpa, mas já nos conhecemos?" foram as palavras que saíram dos lábios finos, bem desenhados.
Agora foi a vez de Paulo mexer as sobrancelhas, arqueando-as desacreditado. Sorriu de canto de boca... "Tá brincando né???"
A jovem pareceu ainda mais intrigada. Apertou os olhos como que forçando-se a lembrar da face jamais vista e, com certo pudor, respondeu... "Não..."
Paulo surtou.
Os mesmos olhos doces, os mesmos lábios finos, os mesmos olhos marcantes... E outra pessoa. A mesma "casca" em outra mente. Outras histórias, outros gostos, outros ditos, outros viveres. Posto dessa maneira pareceria apenas mais um dos tantos homens movidos pelo físico, pela atração visual, encarcerado em desejos primitivos, deixando o real ser intrínseco de lado... Mas não era isso...
Naquele momento o rapaz mergulhou num turbilhão de pensamentos.
Memórias não apenas, mas questionamentos. Tudo aquilo que os separara ficara para trás. A questão era justamente esta; Paulo fora apaixonado pelo que Marcella era no momento em que se conheceram, mas não podia suportar o que ela já havia sido. Deixara claro que viveria o presente, mas era lembrado a todo momento pela amada do que queria esquecer. O rapaz não conseguia conceber que a jovem era, assim como todos, fruto de suas experiências e vivências, jamais poderia deixar de sê-lo. Mas em seu âmago, desejoso de ter encontrado a mulher de sua vida, Paulo exigia, sem perceber, que Marcella fosse outra pessoa. E ali estava sua chance.
Nova chance... Chance de ter alguém que lembrasse a primeira, mas que não atentasse contra seus pudores, vergonhas, concepções e convicções de maneira tão incômoda.

A vida é uma ciranda de pedra, caro leitor. Querer moldar os outros a seus bel prazer é um erro fatal a qualquer humano, que, dotado da ânsia da perfeição, brinca de Deus em seu próprio espetáculo de pseudo-perfeições...
O que você faria se pudesse apagar imperfeições da história de alguém? Ousaria planejar a existisência de um outro Ser, do qual não é diferente? Pense nisso, Reflita Também...

Um comentário:

Anônimo disse...

O incômodo de ler seus posts é tentar comentar sem cair em clichês...mas para mim é tarefa impossível..Maravilhoso o texto. Quanto ao fato de apagar as imperfeições de alguém, acredito que perderiamos as nuances de suas qualidades...porque todos somos as somas de nossas circunstâncias..inclusive, as imperfeições.