23 junho 2010

Cartas de Próprio Punho

....Caríssimos, alvíssaras!

....A boa nova se anuncia! Tomem para si a verdade, pois só dela vêm as coisas, e só para ela irão igualmente... Encham o peito do puro ar da manhã, em meio à neblina da cidade praiana, que se reveste de Serra nos brindar o novo dia.
Se dantes se viam por entre prédios, hoje as nuvens baixas emolduram as telas matutinas. ....Donde se avistavam pétreos blocos de concreto, na magnífica intenção de conferir o adequado peso à metrópole, nada mais se avista se não o fosco verde das esparsas mas significativas árvores próximas.
....O ar frio surpreende os primeiros raios desavisados de sol. Em meio à névoa, poucos são os que se aventuram, ou deixam seus leitos no 7º dia da semana. A claridade que se expande aos poucos precisa vencer a sublime, literal, barreira etérea que se põe sobre a cidade.
....Sinto o vazio em mim também ser tomado pelo denso ar que se embrenha pelas frestas da janela. Como quem deixa um rastro, vejo o caminho tomado pelo alvo filete sem peso, alcançando minhas narinas, se insinuando mais e mais, até que eu sinta seu frescor a tocar-me os pulmões ainda pesados do sono.
....Tremo ao recarregar a pena com a tinta escarlate. Pela primeira vez consigo evitar que uma gota maior me escape e manche como de costume o papel. Talvez a névoa seja a razão da segurança, que impediu, até o momento, um erro maior, seja da escrita, seja acidental, mas que ocorrem de praxe e, feitos em magenta, escapam por pouco tom de se mostrarem como pequenas gotas de sangue contra a clareza da folha.
.... Meu desejo é que o ar pulsasse... queria sentir no peito novamente uma batida junto ao frescor que experimento... só a leveza e a temperatura me sobram, entretanto, pois asseguro: ainda sinto cá o vazio.
....Comprovo, assim, a boa nova relativa. Não há peito que se mantenha oco e de proteção completa para sempre: há eternamente a chance da guarda ser abaixada e, deste modo, o ser dar-se ao luxo de se machucar novamente.

............................................Vinícius Ladeira Fonseca




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Carta escrita em 19/06/2010
O título é sério e se tornará uma série aqui também, caro leitor. Volto a escrever à mão quando possível, uma vez que o ato ritualístico de carregar a pena com tinta e derramá-la pouco a pouco sobre o papel tem um simbolismo absolutamente perdido ao dedilhar um teclado.