31 dezembro 2006

Luz perdida

A leitura de "A Última Crônica", de Fernando Sabino, me foi um marco. Foi com esta obra-mestra que descobri o mistério por trás do ofício de cronista, até então imaginado por mim como um complexo trabalho do homem sobre sua obrigação. Engano meu. Sabino sugere que, se lhe falta a inspiração para escrever, saia e observe o mundo a sua volta... "Leia" as pessoas...
Hoje eu alcancei esse nível. Consegui "ler" a dor de alguém e isso me tocou... E me culpo por não ter sido um problema dos já conhecidos, coisas que assolam um mundo desigual, mas um fato de simplicidade visível e que muitos ignorariam...
Deixava a casa de um amigo ao cair da noite. Ao chegar ao portão pude ver que havia uma festa numa casa próxima. E ao longe, na festa, enxerguei uma bela menina, ainda jovem. No mesmo instante realizei que era a moça com quem meu amigo já havia saído e com a qual nada mais queria, ainda que soubesse ser esta apaixonada por ele. A jovem veio em nossa direção e, percebendo isso, meu amigo virou o rosto. Ela não rumava a nós, mas passaria por onde estávamos... Ao chegar perto, lançou ao meu amigo um olhar como quem diz "olá" e esperando atenção, sem resposta, continuou a andar... Apenas eu a olhava... Cerca de cinco metros afrente, novamente ela se virou para nossa direção, tentando novamente estabelecer um, ainda que mínimo, contato com meu amigo, que novamente não ligou. Eu ouvia seus olhos clamarem "ei! não faça isso!" como quem sabe que a indiferença é a mais temível das tormentas. E ela seguiu seus passos. Eu já dava como findado o problema quando, para minha surpresa, vi, um pouco adiante, aquela linda menina virar-se pela última vez, esperançosamente, buscando para si um simples segundo dos tantos que sobravam ao meu amigo; mais uma vez sem sucesso. Eu vi a luz nos olhos daquela jovem se extingüirem naquele momento... Como a chama de uma vela abandonada ao vento da madrugada, sem que ninguém se importasse com a claridade que emitia.
A alta dramaticidade do momento, escondida pelas sombras da noite, invadiram o meu peito tal uma flecha endereçada aos que não se importam...Pela primeira vez na minha vida eu senti, não de maneira catártica como em livros ou filmes, mas como se ocorresse comigo mesmo, aguda e abruptamente, a dor daquela menina... Faltou-me o ar, abundante no meu entorno, mas ausente na minha reflexão, me deixando estagnado em pensamentos, e envolto em pesares...
E foi assim que aconteceu. Sem que eu esperasse... Apenas "lendo" aquela jovem, que só um olhar esperava...
Pense nisso...
Reflita também...
E um Ano de Luz para cada 1 de vocês, caros amigos...