10 janeiro 2009

Lagos Translúcidos nas calçadas da Cinelândia

A vida não tem esquinas, já disseram certa vez; mas a Cinelândia com certeza tem. E foi nessa exata esquina que passei por uma situação única na quarta-feira última.
Voltava eu de uma reunião no Centro com uma professora minha, e já tomava o caminho do metrô, quando fui convidado pela mesma para tomar um suco no espaço vizinho ao Odeon. Andávamos pela calçada larga, tomada de gente, mas tranquila, conversando sobre trabalho de uma maneira leve, que só o típico verão do Rio de Janeiro permite.
Não sei se por falta de hábito com a paisagem peculiar do centro da cidade ou por receio de andar no meio de tantas pessoas, eu prestava atenção em tudo ao entorno. Desde as pedras caprichosamente colocadas (e igualmente faltosas) formando o chão em mosaico até as esparças árvores que fazem falta no meio de tanto cinza da metrópole.
Esforçando-me para não tropeçar na infinidade de coisas que nos cruzam o caminho nesses lugares, desviei, sem muito propósito, quase que involuntariamente, de duas pessoas que cuidavam de uma banquinha no chão. Um rapaz à direita, agachado, e uma moça à esquerda, sentada sobre uma canga, que servia como base para as bijuterias que estavam à mostra.
O rapaz, de costas para mim, exibia algo para a moça, que observava com atenção.
Sem que eu pudesse segurar, no meu inconsciente veio o pensamento: "ah, os hippies em todo lugar... ainda existe gente assim!?", mesmo enquanto eu conversava sobre algo totalmente diferente, demonstrando a pluricapacidade da mente humana. Da preconceituosa mente humana. As roupas batidas, o lenço no cabelo da jovem, os dreds no do rapaz e o comércio de trabalho manual automaticamente me remeteram a isso. E só o que eu pensava no momento era como poderia haver pessoas que se furtassem de uma vida "regrada" e que pudessem se tornar alheias a uma formação necessária para o mundo de hoje...
Ao me aproximar, a jovem levantou o rosto ainda sorrindo, desviando o olhar que encarava o rapaz, ainda de costas pra mim, e repousou sobre os meus olhos os dela. Os olhos mais verdes e vivos que eu já pude observar em toda a minha vida. Contrastavam com o delinear negro nas pálpebras e o branco muito límpido da pele. Me olhou com uma força não instintiva, mas intrínseca àquelas translúcidas íris, que mais pareciam dois grandes lagos nas calçadas da Cinelândia. Eram tão abrangentes, tão expansivos, que não me admiraria que fossem capazes de conter toda a imensidão de coisas que os cercava no momento. Me senti invadido, exposto. Parecia que aqueles olhos, ao tocarem os meus, poderiam ver minh'alma. Não desviei o olhar, como de costume ocorre quando olhares se tocam nas ruas, shoppings ou supermercados. Meu pensamento, agora, era puro. Se purificara, na verdade. De nada me envergonharia pensar que eu precisasse omitir daquele Oráculo à minha frente.
Desacelerei o passo, pedi que os segundos se extendessem. Deixei que por mais tempo ela repousasse a esperança sobre mim, pobre e descrente pedestre da selva de pedra. Senti como se me afogasse num lago profundo, mas sem angústia... Sentia conforto, na verdade.
O caminhar deu fim ao elo, por mais que eu não quisesse. Segui o caminho, voltei à realidade, acabou.
Por fim me perguntei quem era eu pra questionar a maneira como eles levavam a vida... Se convicções são prisões, e estou preso à minha, não poderiam eles estarem certos e eu, errado?
A vida é curta, o mundo nos apressa e a velocidade transforma de maneira inescrupulosa...

Vestiam roupas surradas, muito simples, mas era possível sentir a felicidade ali...


***Espero que tenha gostado leitor... não se esqueça: Reflita Também!

8 comentários:

Jessie disse...

Já são mais de 11 anos desde que abandonei o "trecho" como os hippies chamam a estrada, e ainda hoje, a saudade que me bate daqueles tempos de mochila nas costas, certezas e incertezas, é uma saudade triste, de quem sabe que ficou pra trás, mas também boa, alegre, de momentos felizes que tive o privilégio de viver.
Não é fácil, mas é mais simples, é uma opção de vida, com todas as suas especificidades, e perfeitamente possível.
Foi um tempo bom...

Luana disse...

Vinny...vc é ótimo.
Conseguiu em poucas linhas me fazer mergulhar na sua história e desligar do resto.
Que orgulho desse amigo rsrs

bjao

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Menino...assim eu me apaixono...
bonito, simpatico, inteligente, divertido, e ainda sabe escrever???

Adorei mesmo seu blog viu?
E esse texto especialmente mexeu comigo...tb penso assim...O certo e o errado é relativo...apenas questão de valores...

Bjão!

Cristina!!!

Selina Kyle disse...

Oi, adorei seu blog...

Textos inteligentes...
Palavras Intrigantes...

Parabéns...

Bj!

Anônimo disse...

Ser Feliz, realmente é o que importa, gostei muito do texto, parabéns!

Anônimo disse...

As aparencias enganam, Felicidadde vem de dentro, muito bom o post.

Gi disse...

Oi querido!
Mal cheguei e já me apaixonei!
Amo quando encontro textos tão bem escritos assim, que são capazes de me transportar prá dentro da história!!
Simples, profundo e sensível!!

Beijo grande !